É na escola que se formam cidadãos e cidadãs com espírito crítico. É na escola que se formam cidadãos e cidadãs conscientes da importância de cada indivíduo e do seu papel na sociedade. É na escola que se formam cidadãos e cidadãs conhecedores dos seus direitos e deveres. É na escola que se formam os amantes, os baluartes da liberdade…
O Dr. Hugo Carabineiro é psicólogo na nossa escola, mas antes de ingressar na Faculdade de Psicologia da Universidade do Porto, onde se licenciou, foi aluno na nossa escola. Quando em 1994, frequentava o 10º ano, foi desafiado pela sua professora de Português a escrever um poema, com vista a participar num concurso promovido pela Câmara Municipal de Macedo de Cavaleiros para celebrar os 20 anos do 25 de abril. Fê-lo e venceu! Eis o poema:
Ainda que em 1999 se tenha descoberto o mais antigo documento escrito em português atualmente conhecido - Notícia de Fiadores - datado de 1175, o testamento de Afonso I, redigido em 1214 e preservado ao longo dos tempos, foi considerado o primeiro documento oficial em língua portuguesa. Daí que a data de 1214 assinale os primórdios da língua portuguesa escrita e se comemore, em 2014, os 800 anos da língua portuguesa.
Foram, obviamente, inúmeras as palavras que ao longo destes oito séculos se foram acrescentando ao léxico português. Mas hoje, escolhemos focar-nos numa palavra que, segundo o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, data de 1338 e ocorreu pela primeira vez no texto Descobrimentos Portugueses: LIBERDADE.
Não será, por certo, difícil imaginar por que motivo escolhemos a palavra LIBERDADE, hoje… Não são 800 anos, mas são 40, o que também é uma bela idade! Não é a palavra em si que os comemora, mas é o que ela significa que se festeja!
Abril de Abril, de Manuel Alegre || Revolução, de Sophia de Mello Breyner Anderson || O Dia da Liberdade, de José Jorge Letria
O amor é o amor — e depois?! Vamos ficar os dois a imaginar, a imaginar?...
O meu peito contra o teu peito, cortando o mar, cortando o ar. Num leito há todo o espaço para amar!
Na nossa carne estamos sem destino, sem medo, sem pudor e trocamos — somos um? somos dois? espírito e calor!
O amor é o amor — e depois?
Alexandre O'Neill |
Falo de ti às pedras das estradas, E ao sol que e louro como o teu olhar, Falo ao rio, que desdobra a faiscar, Vestidos de princesas e de fadas;
Falo às gaivotas de asas desdobradas, Lembrando lenços brancos a acenar, E aos mastros que apunhalam o luar Na solidão das noites consteladas;
Digo os anseios, os sonhos, os desejos Donde a tua alma, tonta de vitória, Levanta ao céu a torre dos meus beijos!
E os meus gritos de amor, cruzando o espaço, Sobre os brocados fúlgidos da glória, São astros que me tombam do regaço!
Florbela Espanca |
Tens nos olhos a luz que me faltava. Agora posso ver o que não via: O rosto da alegria No teu rosto. Vinho ainda a sonhar Na fervura do mosto, Não sabes duvidar Das ilusões. És a vida que esperas... Em ti, as estações São todas primaveras.
Miguel Torga |
(Pintura de Jay Fancher)
E como eu palmilhasse vagamente
uma estrada de Minas, pedregosa,
e no fecho da tarde um sino rouco
se misturasse ao som de meus sapatos
que era pausado e seco; e aves pairassem
no céu de chumbo, e suas formas pretas
lentamente se fossem diluindo
na escuridão maior, vinda dos montes
e de meu próprio ser desenganado,
a máquina do mundo se entreabriu
para quem de a romper já se esquivava
e só de o ter pensado se carpia.
Abriu-se majestosa e circunspecta,
sem emitir um som que fosse impuro
nem um clarão maior que o tolerável
pelas pupilas gastas na inspeção
contínua e dolorosa do deserto,
e pela mente exausta de mentar
toda uma realidade que transcende
a própria imagem sua debuxada
no rosto do mistério, nos abismos.
Abriu-se em calma pura, e convidando
quantos sentidos e intuições restavam
a quem de os ter usado os já perdera
e nem desejaria recobrá-los,
se em vão e para sempre repetimos
os mesmos sem roteiro tristes périplos,
convidando-os a todos, em coorte,
a se aplicarem sobre o pasto inédito
da natureza mítica das coisas,
assim me disse, embora voz alguma
ou sopro ou eco ou simples percussão
atestasse que alguém, sobre a montanha,
a outro alguém, noturno e miserável,
em colóquio se estava dirigindo:
"O que procuraste em ti ou fora de
teu ser restrito e nunca se mostrou,
mesmo afetando dar-se ou se rendendo,
e a cada instante mais se retraindo,
olha, repara, ausculta: essa riqueza
sobrante a toda pérola, essa ciência
sublime e formidável, mas hermética,
essa total explicação da vida,
esse nexo primeiro e singular,
que nem concebes mais, pois tão esquivo
se revelou ante a pesquisa ardente
em que te consumiste... vê, contempla,
abre teu peito para agasalhá-lo.”
As mais soberbas pontes e edifícios,
o que nas oficinas se elabora,
o que pensado foi e logo atinge
distância superior ao pensamento,
os recursos da terra dominados,
e as paixões e os impulsos e os tormentos
e tudo que define o ser terrestre
ou se prolonga até nos animais
e chega às plantas para se embeber
no sono rancoroso dos minérios,
dá volta ao mundo e torna a se engolfar,
na estranha ordem geométrica de tudo,
e o absurdo original e seus enigmas,
suas verdades altas mais que todos
monumentos erguidos à verdade:
e a memória dos deuses, e o solene
sentimento de morte, que floresce
no caule da existência mais gloriosa,
tudo se apresentou nesse relance
e me chamou para seu reino augusto,
afinal submetido à vista humana.
Mas, como eu relutasse em responder
a tal apelo assim maravilhoso,
pois a fé se abrandara, e mesmo o anseio,
a esperança mais mínima — esse anelo
de ver desvanecida a treva espessa
que entre os raios do sol inda se filtra;
como defuntas crenças convocadas
presto e fremente não se produzissem
a de novo tingir a neutra face
que vou pelos caminhos demonstrando,
e como se outro ser, não mais aquele
habitante de mim há tantos anos,
passasse a comandar minha vontade
que, já de si volúvel, se cerrava
semelhante a essas flores reticentes
em si mesmas abertas e fechadas;
como se um dom tardio já não fora
apetecível, antes despiciendo,
baixei os olhos, incurioso, lasso,
desdenhando colher a coisa oferta
que se abria gratuita a meu engenho.
A treva mais estrita já pousara
sobre a estrada de Minas, pedregosa,
e a máquina do mundo, repelida,
se foi miudamente recompondo,
enquanto eu, avaliando o que perdera,
seguia vagaroso, de mãos pensas.
Não, Poesia:
Não te escondas nas grutas do meu ser,
Não fujas à Vida.
Quebra as grades invisíveis da minha prisão,
Abre de par em par as portas do meu ser
- sai…
Sai para a luta (a vida é luta)
Os homens lá fora chamam por ti,
E tu, Poesia és também um Homem.
Ama as Poesias de todo o Mundo,
- ama os Homens
Solta teus poemas para todas as raças,
Para todas as coisas.
Confunde-te comigo…
Vai, Poesia:
Toma os meus braços para abraçares o Mundo,
Dá-me os teus braços para que abrace a Vida.
A minha Poesia sou eu.
(fotografia de Alex Ferreira)
A mãe negra embala o filho.
Canta a remota canção
Que seus avós já cantavam
Em noites sem madrugada.
Canta, canta para o céu
Tão estrelado e festivo.
É para o céu que ela canta,
Que o céu
Às vezes também é negro.
No céu
Tão estrelado e festivo
Não há branco, não há preto,
Não há vermelho e amarelo.
—Todos são anjos e santos
Guardados por mãos divinas.
A mãe negra não tem casa
Nem carinhos de ninguém...
A mãe negra é triste, triste,
E tem um filho nos braços...
Mas olha o céu estrelado
E de repente sorri.
Parece-lhe que cada estrela
É uma mão acenando
Com simpatia e saudade...
Foi para ti
que desfolhei a chuva
para ti soltei o perfume da terra
toquei no nada
e para ti foi tudo
Para ti criei todas as palavras
e todas me faltaram
no minuto em que talhei
o sabor do sempre
Para ti dei voz
às minhas mãos
abri os gomos do tempo
assaltei o mundo
e pensei que tudo estava em nós
nesse doce engano
de tudo sermos donos
sem nada termos
simplesmente porque era de noite
e não dormíamos
eu descia em teu peito
para me procurar
e antes que a escuridão
nos cingisse a cintura
ficávamos nos olhos
vivendo de um só
amando de uma só vida
(Pintura de Lezelda de Klerk)
O choro durante séculos
nos seus olhos traidores pela servidão dos homens
no desejo alimentado entre ambições de lufadas românticas
nos batuques choro de África
nos sorrisos choro de África
nos sarcasmos no trabalho choro de África
Sempre o choro mesmo na vossa alegria imortal
Meu irmão Nguxi e amigo Mussunda
no círculo das violências
mesmo na magia poderosa da terra
e da vida jorrante das fontes e de toda a parte e de todas as almas
e das hemorragias dos ritmos das feridas de África
e mesmo na morte do sangue ao contacto com o chão
mesmo no florir aromatizado da floresta
mesmo na folha
no fruto
na agilidade da zebra
na secura do deserto
na harmonia das correntes ou no sossego dos lagos
mesmo na beleza do trabalho construtivo dos homens
o choro de séculos
inventado na servidão
em histerias de dramas negros almas brancas preguiçosas
e espíritos infantis de África
as mentiras choros verdadeiros nas suas bocas
o choro de séculos
onde a verdade violentada se estiola no círculo de ferro
da desonesta força
sacrificadora dos corpos cadaverizados
inimiga da vida
fechada em estreitos cérebros de máquinas de contar
na violência
na violência
na violência
O choro de África é um sintoma
Nós temos em nossas mãos outras vidas e alegrias
desmentidas nos lamentos falsos de suas bocas – por nós!
E amor
E os olhos secos.
Blogue criado para a participação na segunda edição do concurso Ler Em Português, promovido pela Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento, a Rede de Bibliotecas Escolares e o Plano Nacional de Leitura, tendo como tema: Português, Uma Língua com História.
língua portuguesa em 800 palavras